VINTE ANOS
Pierre Bachelet
Naquela época eu vivia
Como um pássaro no galho
Na frente das filas do
cinema
eu estava implorando
Foi “Primeiros Amigos”[1]
E os primeiros
transistores
Sidney Bechet, “Pequena
Flor”[2]
O blues no coração
Naquela época as calçadas
Eram demonstrações e
guitarras
Mesmo que seja sempre
assim
Naquela época eu tinha
vinte anos
Na TV preto e branco
Descobrimos o rock’n roll
Elvis Presley e os ídolos
Poltronas quebradas em
todas as salas de música
Naquela época era Paris
Foi a guerra na Argélia[3]
Nos bistrôs dos Subúrbios
do Norte
Nem sempre concordamos
Irá ou não, concordará ou
discordará
Naquela época da sua vida
Você sonhou em fazer seu
bacharelado
E ir para Paris
Se matricular na faculdade
E então houve o mês de
maio
Que preparou suas pedras
Foi aqui que nos
conhecemos
Lenço no nariz
O mundo teve que ser
refeito
E no seu quarto em
Nanterre[4]
Isto é precisamente o que
fizemos
Naquela época eu tinha
vinte anos
E você teve quase tanto
Você cheirava a verbena
E gás lacrimogêneo
E acima de tudo você me
tomou por Verlaine[5]
Então de repente éramos
nós
Como um trovão, uma
explosão de fogo
Havia mais do que nós em
nossas jaquetas
Havia mais do que nós em
nossas músicas
Nos discursos do Carrefour
de Odéon[6]
Naquela época eu tinha
vinte anos
Eu tinha vinte anos há
muito tempo
O amor cantou seu
carmagnole[7]
Descendo a Rue des Écoles[8]
O cartaz numa mão e na
outra o pote de cola
Naquela época eu tinha
vinte anos
Eu tinha vinte anos há
muito tempo
Ferré[9] tocava no rádio
Foram férias em Deux
chevaux[10]
E todas as garotas
pensaram que eram Bardot[11]
A TV estava ligada
Para o primeiro passo na
Lua
Naquela época era rock
Mas já estávamos em tempos
de mudança
E os Beatles iriam se
separar
Naquela época eu tinha
vinte anos
Eu tinha vinte anos para
sempre
O amor cantou seu
carmagnole
Subindo a Rue des Écoles
Você colocou sua mão no
meu ombro
VINGT ANS
Pierre Bachelet
En ce temps-là je vivais
Comme un oiseau sur la
branche
Devant les files de ciné
Je faisais la manche
C’était “Les copains d’abord”
Et les premiers transistors
Sidney Bechet, “Petite fleur”
Les blues sur le coeur
En ce temps-là les trottoirs
C’était manif et guitare
Même que c’est toujours comme ça
En ce temps-là j’avais vingt ans
Sur la télé en noir et blanc
On découvrait le rock’n’roll
Elvis Presley et les idoles
Fauteuils cassés dans tous les music-halls
En ce temps-là c’était Paris
C’était la guerre en Algérie
Dans les bistrots d’la Banlieue Nord
On était pas toujours d’accord
Ira ou pas, d’accord ou
pas d’accord
En ce temps-là de ta vie
Tu rêvais d’avoir ton bac
Et de monter à Paris
T’inscrire à la fac
Et puis y avait le mois d’mai
Qui préparait ses pavés
C’est là qu’on s’est
rencontrés
Mouchoir sur le nez
Le monde était à refaire
Et dans ta chambre à
Nanterre
C’est justement c’qu’on a
fait
En ce temps-là j’avais
vingt ans
Et toi t’en avais presque
autant
T’avais un parfum de
verveine
Et de grenade lacrymogène
Et puis surtout tu m’prenais
pour Verlaine
Alors soudain ç’a été nous
Comme un tonnerre, un coup
d’grisou
Y avait plus qu’nous dans
nos blousons
Y avait plus qu’nous dans
nos chansons
Dans les discours
Carrefour de l’Odéon
En ce temps-là j’avais
vingt ans
J’avais vingt ans pour
très longtemps
L’amour chantait sa
carmagnole
En descendant Rue des
Ecoles
Affiche’ d’une main de l’autre le pot d’colle
En ce temps-là j’avais vingt ans
J’avais vingt ans depuis
longtemps
Ferré passait à la radio
C’était les vacances en deux-chevaux
Et toutes les filles se prenaient pour Bardot
C’était la télé qui s’allume
Pour le premier pas sur la Lune
En ce temps-là c’était le rock
Mais on changeait déjà d’époque
Et les Beatles allaient se séparer
En ce temps-là j’avais vingt ans
J’avais vingt ans éternellement
L’amour chantait sa
carmagnole
En montant la Rue des
Ecoles
T’avais ta main posée sur
mon épaule
[1] Título de música de
Georges Brassens, cantor popular francês.
[2] Música de Sidney Bechet, clarinetista
e compositor de jazz norte-americano.
[3] Guerra de Independência
Argelina (colônia francesa), de 1954 a 1962.
[4] Cidade da região
metropolitana de Paris, onde fica a Universidade de Nanterre, na qual ocorreu
uma agitação estudantil em 25 de março de 1968, antecedendo a rebelião
estudantil de 1968.
[5] Paul Marie Verlaine (1844-1896),
poeta simbolista francês.
[6] O Carrefour de l’Odéon é
uma praça localizada no bairro Odéon, em Paris.
[7] “La Carmagnole é uma
famosa canção francesa de fins do século XIX que exalta os feitos dos
sans-culottes em diversos episódios da Revolução Francesa. Carmagnole é um tipo
de jaqueta curta que era utilizada pelas camadas populares de trabalhadores na
França de fins do século XVIII” (https://pt.wikipedia.org/wiki/La_Carmagnole).
[8] É uma rua parisiense, paralela
ao Sena, que liga o campus Jussieu ao Collège de France e à Sorbonne, muito
popular entre os estudantes.
[9] Cantor popular francês.
[10] Referência ao carro
popular francês Citroën deux-chevaux (2cv), “dois-cavalos”, semelhante a um fusca.
[11] Brigitte Bardot, atriz
francesa conhecida mundialmente.